Catadores x Cooperativas

Os desentendimentos que envolvem essas duas classes que tem o mesmo fim:
a venda de materiais recicláveis
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De Caroline Grava , Olga Defavari e Fernanda Spinello

Quando as portas do mercado de trabalho se fecham, um dos caminhos a ser seguido por muitos brasileiros, é a coleta de materiais recicláveis. Esta atividade tem crescido muito nos últimos anos, isso porque a quantidade de material encontrada é farta nas grandes cidades.

Os catadores, que concorrem com as cooperativas de recicláveis, passam coletando o material encontrado nos lixos das residências antes que passe o caminhão de lixo que abastecerá as cooperativas. Eles ganham por quilo de material arrecadado e alegam que trabalham na hora que querem sem prestar contas a ninguém. As companhias municipais de saneamento, que buscam incentivos para que as pessoas separem o lixo, e assim façam chegar mais material às cooperativas, enfrentam esta barreira de ver o lixo desviado para empresas particulares. 

Nestas cooperativas, muitas vezes criadas com o apoio dos serviços  municipais de saneamento, todo o material arrecadado com a coleta seletiva de lixo é transformado em produto reciclado pelas mãos dos cooperados ou separado e vendido para empresas.


Contudo, por mais que as companhias de saneamento se esforcem para levar às cooperativas os catadores de papel, muitos ainda relutam e preferem ficar na informalidade. É esse o caso de Maria Eneusa da Silva, de 32 anos.

Maria Eneusa trabalha na rua como catadora de recicláveis há dois anos, desde que seu marido a abandonou grávida e com três filhos. Quando se viu abandonada e com os filhos para alimentar, a única saída que encontrou para garantir sua subsistência foi coletar material reciclável nas ruas e revender.

Todos os dias, Maria acorda cedo e sai pelas ruas dos bairros de Santo André mais próximos de sua moradia revirando lixos de prédios e casas. Ela mora no Jardim Elba, bairro extremamente pobre de São Paulo, na divisa com a cidade de Santo André.

"Tudo vira dinheiro", fala Maria com um sorriso no rosto enquanto coleta algumas garrafas pet e papelões da lixeira de um prédio, numa sexta-feira à tarde. "Todo o material colhido é revendido a um ferro-velho, e o dinheiro que ganha durante o dia é destinado a compra de alimentos", afirma Maria.

Ela conta que com o material coletado e revendo ao ferro-velho, consegue ganhar em média, R$ 200,00  por mês. Quando questionada sobre sua preferência por trabalhar na rua, Maria confessa, "Na rua, eu trabalho quando quero. Em cooperativa, não. Já tive oportunidade de entrar em uma, mas não quis".

O fato de renegarem o trabalho em cooperativas por não saberem realmente como funciona ou por opção, muitos catadores perdem a chance de transformar suas vidas e ter um emprego formal e que lhes dêem segurança.

Histórias como a de Maria, motivaram, os sociólogos Ivan Correa, Vilson Rodrigues da Costa e Noé Humberto Cazetta do curso de especialização em Gestão Ambiental da Fundação Santo André, a realizarem em 2005 a pesquisa "Os catadores de materiais recicláveis em Santo André". De toda a pesquisa, o que mais impressiona, é que apenas 10% dos entrevistados acreditam que poderiam melhorar as condições de trabalho se entrassem em uma cooperativa.

Ainda segundo a pesquisa, a maioria dos entrevistados, 78,2%, se tornou catador por estar desempregado e 100% deles trocam todo o material coletado por dinheiro.

Dos entrevistados que disseram ter bom relacionamento com a vizinhança  onde coletam materiais, 54,7% afirmam que boa parte dos moradores os reconhecem e doam materiais recicláveis a eles.

Grande parte dos catadores, 68,9%, tem esse tipo de trabalho como única fonte de renda e os ganhos, para 36%, variam de R$ 80,00 a R$ 250,00 por mês.

Ainda segundo a pesquisa, a cidade de Santo André economiza, com a coleta de recicláveis, R$ 3.226.346,70 por ano.

O desafio das cooperativas

Este desafio é enfrentado na cidade de Santo André, pela Coop Cicla e Coop Cidade Limpa. As duas são cooperativas de reciclagem que recebem apoio do Semasa, (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André).

A coleta seletiva de porta em porta em 100% da cidade foi implantada em Santo André em abril de 2000. Os resíduos sólidos coletados são destinados às duas cooperativas.

A Coop Cicla foi a primeira cooperativa formada na cidade, com apoio do Departamento de Geração de Trabalho e Renda e uma Incubadora de Cooperativas. Hoje, conta com 69 cooperados. Esta cooperativa recebe os resíduos da coleta de resíduos de secos (recicláveis) e faz a separação e comercialização dos materiais. Todo o valor arrecadado faz os pagamentos das contas da cooperativa e o restante é dividido entre os cooperados. A gerente do Departamento de Resíduos Sólidos do Semana, Eliene Morais, comenta sobre os ganhos de cada cooperado: "A retirada mensal pode variar, mas gira em torno de R$ 350,00. Isso porque a renda da cooperativa depende do volume de recicláveis coletados".

A Coop Cidade Limpa foi criada com o Programa de Coleta Comunitária, que é o serviço de coleta realizado nos núcleos habitacionais de dificil acesso, ou seja, onde o caminhão não tem acesso. A cooperativa recebe da empresa contratada por tonelada coletada nos núcleos e também da comercialização dos materiais recicláveis que saem do núcleo, de empresas e outros doadores. Esta cooperativa está com 93 cooperados, sendo que 37 deles ficam nas esteiras de triagem e os demais executam o serviço de coleta nos núcleos habitacionais. Assim como na Coop Cicla, a retirada mensal está em torno de R$ 350,00,  a diferença é que os cooperados,além do salário, ganham mais uma cesta básica de alimentos.

Segundo o diretor presidente da Coop Cidade Limpa, José Batista de Lucena, para coibir o trabalho de catadores informais só com a aplicação de uma lei municipal. "Hoje o emprego informal que o pessoal está encontrando na rua é a catação de material, para apreender isso, só com uma lei da prefeitura para tirar esse pessoal que está tirando material até pra fora da cidade. Só se o prefeito decretar uma lei, tanto nós como o Semasa ( Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André), dependemos dessa lei municipal pra nos ajudar", declara.

O presidente da cooperativa lembra com saudades o tempo em que eram vendidas 150 toneladas por mês e eram necessários três turnos de trabalho. De acordo com José Batista, hoje são apenas 60 toneladas mensais e somente um turno diá rio. Ainda segundo o presidente o proveito do material está em torno de 75% a 80%.

Quanto mais o material for separado pelos munícipes, menor é a perda. Cada tipo de material tem um destino certo e preços variados. O plástico duro é vendido a R$ 0,60 o quilo; o papel branco R$ 0,28; o papelão R$ 0,15 e jornal é R$ 0,01. O trabalho da cooperativa é fazer a triagem completa e a prensa desses materiais, mas nestas duas cooperativa não é feita a transformação do material, porque ela não dispõem de maquinário apropriado.

Os cooperados têm direitos e deveres. Por se tratar de uma cooperativa, existe um estatuto e um regimento interno, "Todos que entrarem hoje, tem que brigar pelo mesmo objetivo de quem está aqui há seis anos. É o mesmo direito", explica o presidente. Ele ainda ressalta que a cooperativa tem um trabalho social "Aqui nós temos ex-alcoólicos, ex-drogados, ex-carrinheiros. Nós damos oportunidades e procuramos ajudar". José Batista relata que as pessoas que procuram trabalho na portaria da cooperativa, que está localizada junto ao aterro sanitário em Santo André , devem fazer um currículo e que, se tiver mais material, mais trabalhadores serão contratados. "Se tiver mais material a gente coloca mais gente pra trabalhar", explica.

Umas das primeiras cooperadas, Sandra Aparecida Lopes de 42 anos conta que mantém a família de 9 filhos com o que ganha na Coop Cidade Limpa. O trabalho que realiza na cooperativa é também aplicado em casa e passado para os filhos. "Eu aprendi a manter os córregos e rios limpos e a evitar ratos e também aprendi a separar o lixo. Com nove filhos eu não tinha nenhuma renda só fazia bicos. Serviu até pra reeducar meus filhos que hoje, também fazem a separação do lixo", conta emocionada.

Sandra Regina, que já trabalhou na rua como catadora de recicláveis,  hoje acredita que ser cooperada é muito melhor, mesmo tendo que obedecer a regras, segundo ela o cooperado é mais valorizado e tem mais segurança econômica: "Então a gente está tentando resgatar o que esta lá fora. Eu já tive oferta para trabalhar na rua, mas para mim aqui é melhor, pelas condições de trabalho, mais segurança. Aqui dentro você tem mais valor, quando você fala que trabalha numa cooperativa, você tem um pouquinho mais de valor do que se você falar que é um catador de rua".

A cooperada acredita ainda que os catadores informais desconhecem os  trabalhos e as vantagens de ser cooperados. "O catador de rua ele não tem valor nenhum, principalmente nesses depósitos clandestinos. Aqui o dinheiro é garantido, não é uma coisa certa, mas dá pra manter uma família. Aqui nós temos curso de cooperativismo. Quando você chama um pra dentro da cooperativa eles falam imagina que eu vou ficar aqui dentro trancado. Eu acho que esses catad ores tinham que ter um curso uma palestra par tentar por na cabeça deles o que é ser um cooperado".

Em prol dos catadores

Existem hoje, no estado de São Paulo, cerca de 48 mil catadores de recicláveis, sendo 20 mil só na cidade de São Paulo. No Brasil, a estimativa é de que este valor possa chegar a um milhão de pessoas que sobrevivem da coleta de materiais recicláveis. Os números são estimativas, já que não existe no Brasil um estudo que se propôs a cadastrar os catadores. A avaliação é da Secretaria Nacional do Movimento dos Catadores de Materiais Recicláveis. O MNCR tem como ferramenta de organização, as secretarias estaduais, espaços de execução de tarefas do movimento e centros de referência em cada estado. Segundo o diretor da secretaria Davi Amorim, o objetivo do movimento é a auto-organização dos catadores de materiais recicláveis em todo o Brasil. "Isso quer dizer que não é algo externo a realidade dos catadores, são eles próprios buscando seus direitos sonegados há décadas".

O movimento existe há 4 anos e surgiu com a organização de catadores que uniram-se em torno de mesmo causa, o reconhecimento e valorização de seu trabalho em todo o Brasil. O MNCR é composto por cooperativas e associações de catadores e formam regionalmente comitês. "Nos organizamos por meio da democracia direta", diz Davi.

A secretaria busca a independência de classe frente a partidos políticos, governos e empresários, a luta e organização é feita de modo independente, sem contudo, abdicar da responsabilidade das prefeituras. Davi Amorim ressalta que os catadores formam uma categoria que busca seus direitos, ainda segundo ele, o movimento não auxilia, mas visa a mobilização coletiva e o apoio mútuo na busca de soluções para os problemas da categoria.

Desde a década de 50, os catadores estão presentes nas regiões urbanas  brasileiras, sem, contudo, ter o reconhecimento e valorização por esse trabalho.

Essa iniciativa vê a questão da informalidade como exclusão social. "Os catadores estão em processo de organização. Há décadas os catadores estão excluídos do mercado de consumo e trabalho formal, tendo de sobreviver de modo precário e sem qualquer estrutura para realizarem seu trabalho", aponta o diretor.

Davi Amorim acredita que a questão da cooperativa não resolve o problema do dia pra noite e que é muito mais fácil montar uma cooperativa com desempregados do que com catadores que já estão acostumados ao trabalho na rua. "Não basta querer formar cooperativas do dia pra noite, existe uma série de problemas que envolvem a questão dos catadores. É muito mais fácil montar uma cooperativa com desempregados (não-catadores) que já são acostumados a um trabalho com horários estabelecidos e uma dinâmica comum, do que capacitar catadores de rua a trabalharem de forma coletiva".

Segundo estudo feito pelo movimento que traça o perfil dos catadores cada catador ganha, pela a média nacional, de R$ 70,00 a R$ 140,00 mensais, coletando cerca que 600 quilos de materiais recicláveis por dia. Esse material vai parar nas grandes indústrias do setor onde são transformados em novos produtos. Um  problema apontado pelos cooperados, e também lembrado por Davi Amorim, é o mercado atravessador, que paga para os catadores muito abaixo do que os produtos valem, ficando com a maior parte dos lucros na comercialização dos materiais. "Os catadores acabam fazendo a maior parte do trabalho de reciclagem, sendo explorados pelos ferros velhos e empresas atravessadoras".

Pelo o que os números apontam, a informalidade no mercado de recicláveis irá perdurar por muito tempo, assim como em outros setores. Separar o material reciclável para contribuir com a preservação do meio ambiente é dever de todo o cidadão. Coletar este material, ainda é responsabilidade das companhias municipais de saneamento. Mas como o lixo é de domínio público, não deixa de ser direito dos catadores, que na falta de lei municipal ou algum outro impedimento, continuem a exercer esta atividade. Dessa forma sobrevivem sem a ajuda de projetos governamentais.

Fonte: 
GRAVA, Caroline; DEFAVARI, Olga; SPINELLO, Fernanda. Catadores X Cooperativas. Super Textos.

Sugestão de Leitura:
Política Nacional de Resíduos Sólidos - Lei 12.305-2010

Catadores X Cooperativas de Reciclagem

Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa

Art. 5 e Art 6 - Redução de IPI sobre produtos recicláveis.

Brasil sem Miséria vai gerar emprego e renda para população pobre - Café com a Presidenta Dilma Roussef

Rota da Reciclagem / Recycling route

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